Uma das maiores bombas fiscais para o próximo governo desarmar é o reajuste do funcionalismo público federal. Por enquanto, quanto mais o governo do presidente Jair Bolsonaro tenta empurrar para a frente o problema, pior fica. Na última terça-feira (27), em mais um claro gesto eleitoreiro às vésperas do primeiro turno do pleito de domingo, o governo publicou no Diário Oficial da União uma medida que beneficia os concursos de policiais federais e policiais rodoviários federais. Essas categorias estão entre as poucas que conseguiram contratar nos últimos quatro anos. A decisão aumentou ainda mais o clima de tensão com os demais grupos, situação que pode explodir antes mesmo da posse do novo governo.
Os servidores públicos federais, como inúmeras outras categorias, acumulam perda salarial de quase 30% desde 2017, ano em que foram pagos 5% de reajuste graças a um acordo feito em 2015 durante o governo de Dilma Rousseff. Desde então, os presidentes Michel Temer e Bolsonaro não concederam nenhum percentual de reajuste. Os servidores ganham hoje menos do que há cinco anos, segundo o presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques. “Para os funcionários públicos, o governo Bolsonaro é o pior desde a redemocratização”, afirmou Marques. “Ficamos sem reposição salarial e ainda tivemos redução salarial nominal de mais de 5% por causa do aumento das alíquotas de contribuições para a Previdência”, disse.
A pandemia corroeu mais os salário. Nunca antes na história do País os servidores haviam contabilizado um achatamento de renda maior do que o setor privado. De 2019 até agosto deste ano, as perdas reais (já descontadas a inflação) atingiram 8,5%, três vezes mais do que os 2,9% dos trabalhadores do setor privado, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2019, a renda média do setor público era de R$ 4.468. Três anos depois, em igual trimestre de 2022, o rendimento real baixou para R$ 4.086. A renda encolheu porque, com o trabalho híbrido ou remoto, houve cortes de auxílios para os servidores. Para agravar, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não perde a chance de fazer críticas ao funcionalismo. Guedes já comparou servidores públicos concursados a militantes políticos.
Não por acaso, Lula e Bolsonaro intensificaram nas últimas semanas suas promessas de reajustes salariais para os servidores, sem comprometer os atuais programas de transferência de renda. Só não dizem com vão pagar a conta. Por isso, o banco americano Goldman Sachs divulgou em seu mais recente relatório que espera que o quadro fiscal brasileiro “se deteriore visivelmente em 2023”, já que os dois principais candidatos à Presidência nas eleições deste ano se comprometeram com promessas que exigirá propostas de suspensão do teto de gastos. “Será praticamente impossível acomodar as pressões de gastos em andamento e outras promessas de campanha dentro dos limites do teto de gastos”, afirmaram em relatório Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina, e Renan Muta, analista do Goldman Sachs. “Assim, esperamos que o próximo presidente proponha uma emenda constitucional para suspender o teto e proponha nova regra.”
Efeito cascata
O economista do Ibmec Ricardo Macedo, professor da Universidade Facha, afirma que será um grande desafio para o próximo governo assentar as demandas sem comprometer a questão fiscal. Ele avalia que para tentar afastar o fantasma da impopularidade, o governo aprovou um pacote de bondades respaldado pela desculpa da calamidade pública e criou uma situação que vai estourar a partir de 2023. “A atual gestão conseguiu se desviar da legislação e distribuiu mais de R$ 40 bilhões em auxílios e vouchers, sem criar fontes de recursos”, afirmou Macedo. “Agora, com as finanças públicas mais comprometidas, tais medidas aumentam a incerteza.”
E o problema federal também atinge por tabela estados e municípios. Enquanto o Congresso tenta encontrar uma forma de custear o piso salarial da enfermagem, suspenso após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), outras 174 propostas de remunerações nacionais tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), essas propostas têm um impacto anual de ao menos R$ 38,8 bilhões aos cofres locais. Uma bomba com proporções nucleares a ser desmontada por um presidente e 27 governadores.
Isto É Dinheiro