O corpo técnico do Ministério da Economia elabora o desenho de uma nova regra para as contas públicas que torna flexível o teto de gastos (que impede as despesas federais de crescerem acima da inflação). A medida promove uma mudança estrutural na norma constitucional, criada em 2016.
Participantes das discussões relatam à Folha de S.Paulo que a proposta deve ser concluída ainda neste mês para ser entregue ao ministro Paulo Guedes. Depois, deve ser debatida com economistas de fora do governo.
A nova regra permite que as despesas federais cresçam acima da inflação se o endividamento federal estiver abaixo de determinado patamar. Atualmente, o teto impede o avanço dos gastos acima do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Em vez de a limitação do teto ser o índice de inflação, um alívio na situação do endividamento permitiria uma expansão correspondente ao IPCA acrescido de um percentual.
O percentual “extra” ainda não foi fechado, mas a ideia é não ultrapassar o crescimento potencial do PIB (Produto Interno Bruto) de longo prazo -algo entre 2% e 2,5%.
Os técnicos veem como um dos objetivos da regra aproximar o Brasil do nível de endividamento de outros países emergentes, patamar que estaria em torno de 60% do PIB.
De acordo com o mecanismo estudado, caso o endividamento volte a aumentar e ultrapasse determinado nível, o crescimento real da despesa ficaria mais limitado. Caso o cenário fiscal continue se deteriorando e o endividamento também, as despesas voltariam a ser limitadas ao IPCA (na prática, o teto tradicional voltaria a valer).
O tema deve ser discutido com mais profundidade após as eleições, independentemente de quem ganhar a disputa pelo Palácio do Planalto. A mudança é defendida internamente como uma política de Estado -e não de governo.
Um dos principais desafios agora é reunir consenso sobre qual indicador de endividamento será usado como gatilho para o mecanismo, já que a contabilidade pública permite o uso de diversas metodologias para aferir a situação.
Um referencial usado por técnicos é que a dívida bruta brasileira não pode ficar acima de 80% do PIB, já que, a partir desse ponto, as taxas de juros cobradas do Tesouro Nacional por investidores começam a ficar muito altas, deteriorando o quadro econômico e dificultando a eficiência das diferentes políticas públicas. Portanto, uma flexibilização só seria possível abaixo desse patamar.
Um endividamento menor do que esse já é observado nos números, o que facilita o acionamento da regra no curto prazo. A dívida bruta de governo federal, estados e municípios está atualmente em 78,2% do PIB (também a projeção oficial para o fim do ano).
O indicador atingiu um patamar recorde no auge da crise econômica da Covid-19, quando representou 88,6% do PIB e gerou projeções explosivas para o endividamento futuro, mas caiu posteriormente com a retomada da atividade.
Usando como referencial a média da dívida dos emergentes, uma alta real das despesas seria permitida quando o endividamento estivesse entre 60% e 80%, por exemplo.
Os técnicos ressaltam que os números usados e os parâmetros não são definitivos e podem ser alterados no decorrer do debate pelo governo e pelo Congresso.
As discussões sobre a nova âncora fiscal visam regulamentar a emenda constitucional 109, promulgada em março de 2021 e resultado das discussões da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial. O texto exige uma lei complementar sobre a sustentabilidade da dívida, especificando indicadores de apuração, medidas de ajuste e até planejamento de alienação de ativos para sua redução. Mas, como essa implementação exigirá mudanças na regra do teto (que está na Constituição), as discussões devem demandar uma PEC.
O mecanismo permite uma liberação extra de recursos enquanto as contas públicas estiverem em nível confortável e sem gerar ameaça à dívida pública. A medida geraria um impacto positivo para a avaliação feita por agências de classificação de risco, mas os técnicos dizem que beneficiaria sobretudo o ambiente econômico ao tornar mais eficientes as políticas fiscal e monetária.
A emenda constitucional do teto de gastos completou cinco anos no encerramento de 2021 passando pelo momento mais crítico desde sua criação, após diferentes brechas e mudanças capitaneadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e em meio às contestações de postulantes à Presidência.
Considerada por investidores a mais importante referência para guiar expectativas sobre as contas públicas durante os últimos anos, a norma foi significativamente alterada pela PEC dos Precatórios.
Os argumentos pró-mudança variam e incluem desde a visão de que os investimentos públicos estão estrangulados até a análise de que a regra atual não desperta mais confiança entre investidores.
As críticas vêm também de Guedes, cujos princípios liberais em tese combinam com uma regra que limita o tamanho do Estado. “Há conceitos que estão equivocados, mas se falar que vai mexer no teto, pronto. Acaba criando instabilidade e o dólar sobe”, afirmou no fim do ano passado.
Primeiro colocado nas pesquisas para a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já defendeu publicamente a derrubada do teto. “Não haverá teto de gastos no meu governo. Não que eu vá ser irresponsável, gastar para endividar o futuro da nação. Vai ter que gastar no que é necessário’, disse. Seus assessores, no entanto, defendem uma regra nova –não a simples eliminação do teto.
Bolsonaro manifestou o desejo de rever a regra de limitação de despesas. “No ano passado, nós tivemos um excesso de arrecadação, arrecadação a mais, na casa dos R$ 300 bilhões. Você não pode usar um centavo disso na infraestrutura dada a emenda constitucional do teto lá atrás. Isso daí muita gente discute que tem que ser alterado alguma coisa. A gente vai deixar para o futuro, [para] depois das eleições discutir essa questão”, disse ele em entrevista a uma rádio em abril.
Folhapress