O consultor econômico e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Raul Velloso, classificou a informação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a reforma Administrativa deve gerar uma economia de R$300 bilhões nos próximos dez anos como uma grande cascata. “Cadê o cálculo? Como? Se é só para os novos?”, questionou Velloso no “Correio Talks” nessa quarta-feira, 9. Para o consultor está faltando um diagnóstico que fundamente a proposta que trata de um assunto muito sério e complicado. Segundo ele, é preciso que os problemas sejam devidamente detectados para aí então propor as soluções. “Muito difícil não perceber que isso cheira a uma grande encenação”, concluiu. “Falta diagnóstico mínimo para fazer as coisas”, criticou, acrescentando que estamos todos “jogando nosso tempo fora” com a discussão dessa reforma Administrativa.
O secretário-geral da Condsef/Fenadsef que também participou da live conduzida pelo editor executivo do Correio Braziliense, Vicente Nunes, afirmou que os servidores estão construindo uma forte unidade para barrar a reforma no Congresso Nacional. Para ele a proposta do governo Bolsonaro representa um retorno ao passado onde os serviços públicos eram facilmente aparelhados por políticos. “Vamos lutar para que o País não volte a esse passado. Não volte a antes de nossa Constituição de 88”, reforçou. “Queremos que o Estado seja indutor da economia com serviços públicos de qualidade e essa reforma como foi apresentada vai na contramão disso”, argumentou.
Prioridades
Participaram ainda o deputado coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Setor Público, professor Israel Batista (PV-DF), o deputado presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, Tiago Mitraud (Novo-MG), e o presidente do Fonacate, Rudinei Marques. Apenas Mitraud defendeu a urgência da reforma Administrativa para o País. Os demais concordam que o momento em que o governo encaminhou a PEC 32/20 não poderia ser mais inoportuno. “O Brasil ainda atravessa uma das suas mais graves crises sanitárias, a prioridade deve ser evitar mortes”, destacou Rudinei.
Outras ações, como aprovação de uma reforma Tributária que traga justiça fiscal, foram apontadas como possibilidades para o Brasil contornar a crise econômica antes de se discutir uma ampla reforma Administrativa. Para Sérgio Ronaldo essa é uma outra grande falácia desse governo. “Falaram que se realizassem a reforma Trabalhista a economia iria bombar e os empregos estariam de vento em polpa. Está aí o resultado. Não funcionou. Milhões na informalidade e outros milhões desempregados”, destacou.
“Com a terceirização idem. O teto de gastos que congela investimensto públicos. Está dando o que está dando. Discutem até a quebra da regra de ouro, pois não está funcionando”, disse Sérgio. “Depois foi a reforma da Previdência. Disseram que se fizessem estaria resolvido que iriam economizar R$100 bi nos próximos anos. Falácia. Eles falam, mas não conseguem explicar os números”, prosseguiu. “Assim foi agora para aprovar a lei complementar 173 e usaram dados irreais de que futuros reajustes que nem estavam em questão gerariam impacto de mais de R$130bi, um dado irreal, e com isso mantiveram veto de Bolsonaro penalizando milhões de servidores que estão atuando na linha de frente do combate a Covid-19”, emendou. “Promovem essa política de austeridade com um discurso de que será bom para a população e seguem privilegiando de novo e de novo o andar de cima. Sabemos que não será diferente com essa reforma Administrativa que aí está. Tratam servidores como inimigos e com isso penalizam toda a população que utiliza e tem direito a serviços públicos”, concluiu.
PEC da rachadinha’ e uberização do setor público
O conjunto de mudanças que estão sendo propostas pelo texto da PEC 32/20, por si só, já representa um desmonte completo do Estado brasileiro. Ao propor o fim da estabilidade, terceirização irrestrita, possibilidade de extinção de cargos e órgãos pelo presidente, fim do Regime Jurídico Único (RJU) e contratação por meios distintos a PEC 32/20 se estivesse hoje em vigor seria um desastre para o Brasil. Essa é a também a opinião do deputado professor Israel. “Partem do princípio de que a máquina é ineficiente e essa ineficiência se dá por conta da estabilidade, mas é mais ineficiente justamente onde não existe essa estabilidade, onde as relações de trabalho no setor público são precarizadas. É o caso dos municípios onde a maioria de professores atua como temporários sem concurso”, destacou. “Pensar uma reforma desenhada é diferente de olhar o todo do Brasil. Permitir que servidores de algumas categorias façam bicos? Isso será acúmulo de função. Pode criar conflito de interesse e ao final piorar o atendimento à população”, frisou.
Os impactos negativos que a reforma pode gerar nas relações de trabalho no setor público já fizeram com que a PEC 32 seja chamada de “PEC da rachadinha” ou “PEC dos guardiões do Crivela”. São essas relações obscuras que podem gerar um aparelhamento perigoso do Estado caso essa reforma Administrativa venha a ser aprovada. Ao falar em modernizar o setor público o deputado Israel lembrou que fragilizar relações de trabalho não é sinônimo de melhora na prestão de serviços à sociedade. “Se fosse hoje o que vivemos desde 2019 na educação, no meio ambiente, em várias areas, como estaria o Brasil? Um presidente não pode extinguir cargos e órgãos. Isso é absolutista”, pontuou.
Rudinei acrescentou que é uma covardia encaminhar uma reforma dessa magnitude quando boa parte dos servidores estão na linha de frente do combate a essa pandemia. “Como parar para enfrentar um debate de uma PEC que precariza e uberiza o serviço público?”, questionou. O dirigente criticou ainda o uso de estigmas e fake news sobre servidores e setor público para ganhar apoio da sociedade. “Isso precisa parar. São tantas as mentiras. Promovem uma insatisfação generalizada que não contrubui para o debate. Ninguém está se negando ao aprimoramento, mas muitos dados do governo são um desrespeito a quem tem capacidade crítica e quer melhores serviços públicos para o Brasil”, apontou Rudinei.
Defensor da reforma Administrativa, o deputado do Partido Novo, Tiago Mitraud, observou que todos concordam em um ponto, que é preciso melhorar os serviços públicos no Brasil. “Até quando não teremos serviços de qualidade?”, questionou. Para o deputado a solução desse problema passa pela reforma Administrativa apresentada pelo governo Bolsonaro.
Para a Condsef/Fenadsef está fadado ao fracasso um projeto que precariza as relações de trabalho sem garantir condições adequadas para que servidores atuem, que prevê políticas de austeridade que retiram bilhões de setores estratégicos e essenciais para a sociedade, que incentiva a privatização e entrega de serviços públicos para o lucro de poucos. “Melhorar os serviços públicos passa por investistimentos adequados, passa pela valorização de servidores, implantação de políticas públicas eficientes. Modernizar não é retirar direitos. Se ficar com essa lógica de austeridade é só ladeira abaixo”, resumiu Sérgio.
Assista a íntegra do “Correio Talks” sobre reforma Administrativa
Condsef/Fenadsef