A greve das universidades e institutos federais chega à sua quinta semana, com expectativas de um acordo acerca da recomposição salarial para esta quarta-feira 15.
Prestes a se completar um mês da última reunião, o governo federal anunciou uma nova rodada de negociação com os servidores, via Mesa Específica e Temporária da Educação com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, comandado por Esther Dweck.
Até aqui, o que se vê é um impasse em torno da principal reivindicação da categoria. Os profissionais reivindicam aumento de 22,71%, dividido em três parcelas iguais de 7,06% em 2024, 2025 e 2026.
Já o governo defendeu, em proposta apresentada no dia 19 de abril um reajuste de 9,5% no salário em 2025 e mais um de 3,5% em maio do ano seguinte. Os servidores negaram a proposta.
Na segunda-feira 13, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, o Andes, protocolou uma nova contraproposta ao governo: manteve a defesa do índice de 22,71%, mas aceitou o aumento de 9% proposto pelo governo para 2025. Reivindica, portanto, o seguinte escalonamento de reajustes: 7,06% em 2024; 9% em janeiro de 2025; e 5,16% em maio de 2026.
A nova reunião do governo foi agendada depois de uma declaração do presidente Lula (PT), na última semana, em entrevista ao programa ‘Bom dia, Presidente’.
“Está todo mundo querendo negociar. O Camilo [Santana, ministro da Educação], a Esther [Dweck], o Feijóo [José Lopez, secretário de Relações de Trabalho]. É sempre possível encontrar um número que atende, se não inteiramente, em parte, as reivindicações. Mas pessoas sabem que para atender é preciso ter recursos”, disse.
“Vamos chegar a um acordo. A mim, não encanta ver parte da educação em greve. Eu tenho ainda que inaugurar muita escola técnica, eu tenho que visitar muita universidade, eu quero que os professores e os funcionários estejam muito tranquilos”, completou Lula.
Ainda assim, a ausência de reajuste para a categoria em 2024 é determinante para a continuidade da greve, segundo lideranças sindicais ouvidas pela reportagem. “Nós não aceitamos não ter nenhum tipo de recomposição em 2024. Ano passado nós não fizemos greve, negociamos com o governo que ainda tinha um orçamento defasado pelo governo anterior, mas saímos da campanha salarial de 2023 com o compromisso de que em 2024 as nossas perdas seriam olhadas”, afirmou a 1ª Tesoureira do Andes, Jennifer Susan Webb.
Os representantes sindicais se dizem dispostos a dialogar com o governo, mas reforçam a intenção de disputar mais recursos no orçamento, além de condenarem a justificativa do governo.
“Nós não podemos abrir mão do que nos foi tirado pelo governo Bolsonaro. Vejo esse movimento como uma continuidade do voto da nossa categoria, que se uniu para tirar o ex-presidente e eleger Lula. Vamos seguir defendendo o serviço público, estamos disputando o que é disputável nesse governo”, defendeu o coordenador-geral do Sinasefe, David Lobão. O sindicato, que representa os profissionais de educação das redes federais, reivindica outros índices de recomposição emergencial: 34,32% para os técnicos administrativos; e 22,71% para os docentes.
Em 2023, o governo Lula concedeu reajuste de 9% para as carreiras de técnicos e docentes. O Ministério da Gestão e da Inovação chegou a defender que a última proposta do governo garantiria aos servidores um reajuste de, no mínimo, 23%, e que o valor fazia a reposição de ‘não só toda a inflação projetada para o período de 2023 a 2026, estimada em torno de 16%, como também uma parcela importante da inflação dos governos passados, que não negociavam e não aportaram nenhum reajuste para o funcionalismo público”’.
Em meio à greve, o presidente Lula também promoveu reajustes nos benefícios dos servidores federais, como auxílio-alimentação, auxílio-saúde e assistência pré-escolar, com aumento de 50%, em média. Pela nova proposta, o auxílio-alimentação passou de 658 para 1.000 reais; o auxílio-creche de 321 para 484,90 reais; e o auxílio-saúde de 144 para 215 reais. Os novos valores passarão a vigorar em maio e o pagamento será feito retroativamente em junho.
O movimento grevista: entre apoios e dissidências
As entidades sindicais destacaram um aumento na adesão ao movimento grevista. No entanto, também há uma dissidência significativa de algumas instituições que não aderiram às paralisações, como é o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a maior universidade federal do país.
Segundo o Andes, 51 universidades federais (de um total de 63 no País) aderiram à greve até o sábado 11, com novas possibilidades de deflagrações. Já o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica, o Sinasefe, calcula que a tenha chegado a 550 campus de 39 institutos federais, além de duas unidades do Cefet e o Colégio Pedro II.
Na Universidade Federal da Bahia, a greve foi deflagrada pelos docentes após votação em assembleia, com 210 votos favoráveis à paralisação e 129 contra. Em um caminho contrário, os professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro vetaram a adesão à paralisação por 546 votos a 272. Por lá, apenas os servidores de cargos técnico-administrativos estão em greve.
Para o professor da Faculdade de Educação da UFBA, Nelson Pretto, a divergência entre as instituições é comum na história das greves, e entende que a atual discordância se dá em torno do momento político, e não da pauta reivindicatória dos servidores.
“Não há dúvida que, para os professores, oferecer zero por cento em 2024 enquanto Polícia Federal, servidores do Banco Central, da Justiça e alguns do Executivo recebem 23% é quase uma afronta”, colocou o docente, ao ainda afirmar que a UFBA, bem como outras universidades do País, enfrentam questões ‘dramáticas’ do ponto de vista de suas estruturas e edificações.
O pesquisador também citou a necessidade de se diminuir a disparidade entre os salários dos técnicos administrativos, quando comparados a de outras categorias profissionais do próprio Executivo, motivo de grande rotatividade nas universidades.
“Se nós não fizermos pressão, este Congresso reacionário vai sempre levar vantagem e não vai haver apoio aos setores cruciais, como os que representam as universidades e institutos federais”, defendeu.
“Nós apoiamos esse governo, estamos vendo melhoras nas bolsas da pós-graduação, vimos melhoras no ano passado em investimentos para sairmos do buraco enorme que estávamos, no entanto, temos hoje o segundo pior orçamento desde 2004”, considerou Pretto.
Pressionar o governo com a greve, no entanto, não é visto como a melhor estratégia de luta, no entendimento da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente da Associações de Docentes da UFRJ (AdUFRJ), Mayra Goulart.
“Nós consultamos o professor comum, que tem medo da greve, medo que ela abra espaço para a extrema direita e desmoralize ainda mais a universidade pública perante a sociedade civil. Esse professor viveu os anos Bolsonaro, sabe o que é ter a sociedade civil contra nós, e entende que esse contexto ainda não passou, temos uma vitória muito frágil do governo Lula. Portanto, essa não seria a melhor estratégia para darmos vazão às nossas legítimas demandas por salário e recomposição do orçamento da universidade”, sustentou.
A pesquisadora entende que a UFRJ tem colocado em prática novas formas de mobilização, que apontam para um novo sindicalismo.
“Partimos da compreensão de que a relação de trabalho que tange os docentes é muito diferente de um trabalhador normal. Nós não temos uma relação de patrão/trabalhador, nós somos servidores públicos, atendemos à população, ao alunado, e a nossa relação com ele não é a de um prestador de serviço, a educação é mais do que um serviço”, explicou.
“A gente não entende que o sindicalismo que ocorre no mundo do trabalho, em geral, possa ser mimetizado para o sindicalismo do corpo docente”, acrescentou ao defender outras formas de mobilização, via redes sociais, além de interação direta com parlamentares sensíveis à agenda.
Goulart ainda justificou que a pressão via greve não deveria acontecer dada a disponibilidade do governo em dialogar com a categoria.
“A greve é o último instrumento que um trabalhador tem para pressionar por melhores condições de trabalho e salários. Nós temos um governo aberto à negociação, diferente do governo Temer ou Bolsonaro. Nós não estamos falando de um governo hostil à educação, em particular à educação superior. Entendemos que a munição da categoria está sendo gasta enquanto a negociação ainda está acontecendo. A greve até poderia vir a acontecer, mas o momento agora é inadequado, porque as negociações não foram encerradas”, finalizou.
Carta Capital