Servidores que compõem a máquina federal preparam para o próximo dia 18 uma paralisação nacional para pressionar o governo Bolsonaro por reajuste salarial.
Sem aumento desde 2017, o segmento tomou maior fôlego para protestar especialmente após a gestão abrir espaço no Orçamento de 2022 para um reajuste voltado a trabalhadores da segurança pública.
“Não tem por que haver esse tratamento diferenciado só pra policiais”, afirma o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.
“Claro que eles também estão com salário defasado desde esse período, mas eles são 40 mil em um universo de 1 milhão e 100 mil servidores ativos e aposentados da União. Então, todo mundo está com o salário defasado, todo mundo faz a sua campanha”, aponta.
O setor teve o último incremento nos salários em janeiro de 2017. “Corrigindo o IPCA de lá até aqui, dá uma defasagem de 27,2%, quer dizer, mais de um quarto dos salários já foram corroídos com a inflação”, exclama o dirigente.
A instituição, que reúne 37 entidades de trabalhadores, definiu o intervalo de duas semanas até a paralisação para intensificar a mobilização nas bases e cumprir as formalidades exigidas pela legislação naquilo que se refere às greves e paralisações.
O Fonacate representa um contingente de 200 mil servidores federais, cerca de um terço dos mais de 580 mil que hoje estão na ativa.
O movimento deve perturbar o sossego do governo, principalmente se houver adesão à ideia de paralisação no âmbito do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), que atualmente realiza escutas às categorias para definir os próprios rumos.
Sempre avesso à pauta do funcionalismo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem tentando arregimentar ministros e outros gestores do Executivo em sintonia contrária à articulação dos servidores.
Reportagem da Folha de S. Paulo revelou, no último dia 28, que o mandatário chegou a enviar mensagens ao grupo traçando um paralelo entre a eventual concessão de reajuste e a tragédia de Brumadinho, que terminou com 270 mortos em 2019.
“Brumadinho: pequenos vazamentos sucessivos até explodir barragem e morrerem todos na lama”, disse Guedes, em uma das comunicações depois de sinalizar, em outra mensagem, que a gestão tende a quebrar se houver reajuste e “a doença voltar”, em uma referência a uma nova agudização da pandemia.
“Os salários estão congelados desde 2017. Se a quebradeira fosse porque estava dando reajuste, a realidade seria outra”, afirma Sérgio Ronaldo, do Fonasefe.
Para o dirigente, o cenário atual segue outra lógica: “O país está quebrando porque não tem negociação, não tem moeda circulando, não tem reajuste, não tem aumento real do salário mínimo pra que a economia gire. É isso que está fazendo com que a economia continue descendo a ladeira de forma desenfreada”.
A entidade aglutina 22 entidades nacionais do funcionalismo, congregando mais de 1 milhão de servidores federais, segmento que amplifica as insatisfações com o governo Bolsonaro a cada ano da gestão.
Costumeiramente arredio com os trabalhadores da máquina, o presidente bancou, nos últimos anos, uma série de arrochos que prejudicaram a estrutura de trabalho e de serviços públicos oferecidos pela União.
“Nós queremos discutir a administração pública como um todo”, aponta Sérgio Ronaldo.
Além de recomposição salarial por conta da perda do poder de compra do funcionalismo, ele defende a necessidade de se discutir uma reestruturação, “mas não como a reforma administrativa”, que a entidade vê como uma “destruição do serviço público”.
“A gente quer que faça concurso público, pra recompor a força de trabalho, quer que melhorem os recursos pra ciência, pra educação, pras políticas de saúde, entre outras coisas”.
Desafio
A concessão do governo para reestruturação de carreiras do funcionalismo fez com que fosse reservado R$ 1,7 bilhão do Orçamento de 2022 para reajustes, com um indicativo de que o dinheiro será utilizado para beneficiar carreiras da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), setores onde o presidente encontra amplo apoio ideológico.
Com o levante das demais categorias, o governo pode enfrentar uma greve já em fevereiro, conforme sinalizado pelo Fonacate após assembleia com representantes do segmento ocorrida na semana passada.
A consternação do funcionalismo já dá sinais de maior sobressalto. Na última segunda (3), por exemplo, o Sindicato dos Servidores do Banco Central (BC) fez um apelo pela entrega de cargos comissionados em forma de protesto pela falta de reajuste.
A entidade incentiva ainda os demais a não aceitarem substituir os que vierem a se demitir do governo. A instituição tem uma média de 500 funções comissionadas e uma eventual adesão pode ajudar a travar trabalhos do BC.
A insatisfação vem provocando solavancos também na Receita Federal, onde desde o final do ano, mais de 1.200 auditores fiscais já entregaram seus cargos.
Dirigentes do Sindifisco Nacional estão reunidos em Brasília (DF) até esta quinta-feira (6) para debater estratégias de articulação e pressão sobre o governo.
A categoria se queixa dos cortes orçamentários que a equipe de Guedes promoveu no órgão para este ano e levanta ainda outras demandas de valorização da carreira.
“O governo vai ter muita dificuldade”, acredita o analista Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), para quem a dor de cabeça pode ser maior naquilo que se refere à atuação do Fisco, área que lida com arrecadação e fiscalização tributária.
“A impressão que se tem é de que, olhando como foi o término do ano para os servidores no engajamento contra a reforma administrativa, esse movimento tem um grande potencial pra afetar o governo”, projeta.
O analista político Leonel Cupertino observa que a previsão que consta no orçamento não fixa em detalhes a canalização dos recursos para os trabalhadores da área de segurança.
Para ele, os próximos movimentos do jogo político devem se dividir em três tendências: pessoas defendendo reajuste para todo mundo, a bancada da bala no Congresso pleiteando o reajuste das carreiras na segurança e a ala que não vai querer reajuste para nenhuma carreira, o que já é a tendência de técnicos do Ministério da Economia.
No caso de um eventual incremento salarial para todos – possibilidade distante diante da tendência neoliberal da gestão Bolsonaro –, o aumento terminaria sendo bem mais abaixo da reclamada recomposição de 27,2%, já que as verbas teriam que ser rateadas, o que traria maior insatisfação entre os policiais. “Pra onde você olha é uma sinuca de bico porque o presidente mexeu num vespeiro”, diz Cupertino.
“Inabilidade”
Para o cientista político Leonardo Barreto, a crise com o funcionalismo em torno da pauta do ajuste foi gerada “por inabilidade” de Bolsonaro, que aproveitou uma janela entre o fim do decreto do estado de calamidade no país e o período eleitoral para fazer um aceno aos policiais.
“E o presidente decidiu priorizar a PF sabe-se lá por quais motivos. Não há uma política de Estado, uma política de negociação de salários dos servidores. O que há são interesses que nem sempre estão claros. O presidente acabou, com tudo isso, provocando uma rebelião nas outras categorias, e muitas delas não fazem greve desde o governo FHC”, resgata.
Para o cientista político, quaisquer que sejam os rumos do processo de negociação, o engodo pode prejudicar ainda mais a imagem da gestão por conta da falta de planejamento financeiro do governo.
“E isso, pros agentes econômicos, é fatal porque eles até trabalham com cenários ruins, mas não trabalham com imprevisibilidade, incerteza. Isso é uma coisa muito ruim, e acho que vai contaminar o jogo. É uma coisa pela qual o governo será cobrado”.
Brasil de Fato