
Em plenária nacional da Aliança das Três Esferas nessa terça-feira (29), o assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Neuriberg Dias, fez uma análise detalhada sobre o avanço do debate que envolve a reforma administrativa no Congresso Nacional. A apresentação destacou que o cenário pode alterar profundamente o funcionamento do Estado brasileiro e o serviço público como um todo.
Neuriberg reforçou alertas já feitos anteriormente, parabenizou e reforçou a necessidade de prosseguir com a mobilização das entidades sindicais e dos movimentos sociais que pressionaram o Congresso, especialmente o relator da matéria, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que recuou em suas intenções iniciais de priorizar a PEC 32/20 de forma fatiada em seis eixos temáticos.
Segundo o assessor do Diap, a resistência ao avanço da proposta é uma vitória importante frente ao pacto tácito entre o mercado financeiro e setores do Congresso. “O mercado aceita financiar campanhas, tolera o empoderamento orçamentário do Legislativo e até o acúmulo de aposentadorias por parlamentares, desde que esses mantenham uma postura de contenção de pautas sociais e defendam interesses da elite empresarial”, alertou.
Entre os interesses do mercado estão: derrubada do IOF, manutenção de isenções fiscais bilionárias, isenção de lucros e dividendos, anistia de dívidas do agronegócio, entre outros. Já o governo, por sua vez, tenta pautar medidas como a tributação dos super-ricos, revisão de super salários e redução de incentivos fiscais — o que gera embates contínuos.
Reforma: para todos ou para poucos?
Neuriberg destacou que, embora a proposta oficial defenda a modernização e a eficiência da administração pública, os riscos reais apontam para a precarização das condições de trabalho, o desmonte dos serviços públicos e o aumento da desigualdade social. “A quem serve essa reforma?”, questionou, reforçando que os maiores prejudicados seriam os servidores públicos, a população que depende dos serviços e o próprio Estado como garantidor de direitos.
Entre os principais pontos defendidos até o momento pela reforma estão: ampliação de contratações temporárias, mais cargos comissionados (sem concurso), terceirizações e redução de direitos. A estabilidade — pilar da imparcialidade e permanência do serviço público — também está em risco.
Além disso, dados desmentem o mito do “Estado inchado”: de acordo com nota técnica da Consultoria de Orçamento do Congresso Nacional, a despesa da União com pessoal caiu de 4,32% para 3,39% do PIB entre 2017 e 2023. A média salarial no setor público é inferior ao que se propaga: 62% dos servidores federais ganham até R$ 7 mil, e a maioria atua em áreas essenciais como saúde, educação e assistência social.
Outro ponto de destaque trazido na apresentação aponta para um movimento mundial de reestatização de serviços públicos essenciais.

Confira aqui a íntegra da apresentação do Diap “Reforma Administrativa para quem?
Supersalários e meritocracia: promessas inconsistentes
Pedro Paulo, relator da PEC, ainda indicou que a nova proposta não tratará diretamente do ajuste fiscal, mas sim de “correções importantes” na estrutura do serviço público, como identidade digital única, rastreabilidade de atos, meritocracia com bônus por metas e unificação de concursos nacionais.
Entretanto, críticas foram feitas ao uso da meritocracia em um ambiente sem plano robusto de investimentos em tecnologia e em meio a um “apagão de servidores”.
Em meio a isso tudo, o relator descartou a apresentação de uma proposta específica sobre supersalários. Vale destacar que militares também estão de fora desse debate.
O cidadão como elo mais fraco
Neuriberg destaca que os impactos da reforma recaem principalmente sobre a população que mais precisa do Estado. “Menos concursos, mais precarização e menor qualidade nos atendimentos públicos afetam diretamente os mais vulneráveis”, afirmou. Nesse cenário, o Estado se tornaria menos preparado para enfrentar emergências e desigualdades, com efeitos negativos para pequenos e médios empresários também.
Exemplos como o desenvolvimento do PIX — criado integralmente pelo Banco Central, órgão público — foram usados para mostrar como o serviço público é capaz de inovação e eficiência quando valorizado e adequadamente financiado.
Processo legislativo: riscos e manobras
A tramitação da reforma ainda está em construção no Congresso. O GT da Reforma Administrativa deve apresentar seu relatório final após 12 de agosto. A proposta será, então, encaminhada à Mesa Diretora da Câmara, podendo ser apensada a outras PECs em estágio avançado — uma manobra que limitaria o direito de emenda por parte de parlamentares fora do GT, explicou o assessor parlamentar do Diap.
Com prazo exíguo de 45 dias para audiências públicas, elaboração de textos e negociação, especialistas alertam para o risco de um processo acelerado e com pouca transparência. Há ainda preocupações quanto aos limites constitucionais, uma vez que alterações sobre cargos, orçamento e regimes jurídicos exigem iniciativa exclusiva do Executivo, o que pode tornar a proposta inócua se aprovada apenas pelo Legislativo.
Ações urgentes e articulação suprapartidária
Para barrar retrocessos, Neuriberg defendeu e reforçou a importância de ações urgentes: intensificar o trabalho das frentes parlamentares, realizar audiências públicas em assembleias legislativas e câmaras municipais, além de dialogar diretamente com parlamentares e suas assessorias. A mobilização passa por líderes partidários, membros da Mesa Diretora e na chamada “bancada do funcionalismo”, composta por 116 parlamentares de diferentes partidos e ideologias que têm ligação direta com o serviço público.
“Reformas verdadeiras exigem diálogo, transparência e compromisso com o fortalecimento do serviço público. A sociedade precisa estar atenta para que não sejam os mais pobres a pagar a conta novamente.”, concluiu Neuriberg.
PEC 66 também interessa ao mercado financeiro
A advogada da LBS, Camilla Queiroz, também trouxe um debate sobre os riscos ainda inseridos na PEC 66. Conhecida por muitos como a “PEC da morte”, a proposta prevê aplicar de forma automática as regras da reforma da Previdência de Bolsonaro-Guedes (EC 103/19) para estados e municípios que ainda não estão adequados a ela. A PEC está no Senado, onde é novamente analisada.
A Aliança das Três Esferas reforça que a proposta representa um grave retrocesso social. Além de piorar as regras para aposentadoria, ela prejudica aposentados, servidores em atividade e compromete o financiamento dos regimes próprios de previdência. E ainda tenta empurrar mais parcelamentos de dívidas e limita o pagamento de precatórios – ou seja, joga no lixo decisões judiciais que garantem reajustes, pisos e adicionais.
Essa reforma está sendo empurrada sem diálogo, sem transparência e sem escutar quem mais será afetado: os servidores públicos.
Aliança das Três Esferas