
Uma rápida passada de olhos pelo noticiário dos últimos dias é suficiente para mostrar o circo de horrores em que se transformou o Congresso Nacional, hegemonizado pela “direita sem medo”: a Comissão de Segurança Pública da Câmara aprova um projeto de lei que autoriza policiais e bombeiros, ativos e inativos, além de guardas municipais e agentes socioeducativos, a adquirirem uma gama de armas de fogo e munição (fazendo de cada um deles um paiol de pólvora com perigosas oportunidades de negócios); e outro que dá mais liberdade a policiais para praticarem o crime de motim; na mesma Câmara avança silenciosamente o GT da Reforma Administrativa, cuja maioria reacionária mal disfarça o intuito de atacar a estabilidade dos servidores públicos, levando o Brasil de volta aos padrões do início do século passado. E uma récua de deputados bolsonaristas torna a ofender a ministra Marina Silva.
Já no Senado, a Comissão de Segurança Pública aprova um PL da extrema-direita que amplia as hipóteses de legítima defesa em caso de invasão de domicílio, enquanto a de Assuntos Sociais debate a liberação da venda de medicamentos em supermercados.
Sem dúvida, esse Congresso elitista, pérfido e rebaixado, dominado por uma maioria comprometida com o atraso e avessa a qualquer hipótese de avanço civilizatório, precisa receber todo tipo de rechaço da sociedade. Nesse contexto, a reação da base de apoio do governo Lula às chantagens de Hugo Motta e companhia é necessária e bem-vinda, e o governo precisa aproveitá-la para tomar impulso e sair das cordas.
Seria, contudo, um erro caro fazer da “polêmica do IOF” (que chega ao Supremo) apenas um jogo de cena, deixando de ir à raiz do embate. Está dada a oportunidade para que o presidente e sua equipe abram um grande debate nacional sobre o assalto à nação representado pelo “novo arcabouço fiscal”, mecanismo gestado pela classe dominante que eleva ao status de dogma religioso a remuneração do capital financeiro, enquanto lança ao sabor das contingências, fragilizando-os, nada menos que os pilares da Constituição Cidadã, que tanto nos custou pôr de pé.
A esse mecanismo somam-se as artimanhas de um Banco Central independente do país e da sociedade a que deveria servir, que eleva a taxa básica de juros à estratosfera, assim agravando o endividamento público que agentes do “mercado” disfarçados de comentaristas esconjuram diariamente.
Claro está: o enfrentamento às chantagens da banca e de seus despachantes imbuídos de mandato parlamentar, e a concomitante reorganização da base de apoio social do governo (de que ele tanto carece), não se darão por meio de instrumentos como o desmonte do piso da Educação e a imposição de restrições no acesso a benefícios sociais como o BPC. A saída segue sendo pela esquerda, e não será o STF quem irá apontá-la.
- Pedro Amaral é Mestre em Relações Internacionais e Doutor em Letras (PUC-Rio)
Pedro Amaral