
Enquanto abraça o inimigo, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) alardeia um discurso de “transformação do Estado”, amparado por métricas gerencialistas de entregas, resultados e eficiência. O conteúdo real desse projeto, contudo, revela-se cada vez mais distante dos interesses da classe trabalhadora e cada vez mais alinhado aos ditames do capital financeiro e das elites empresariais.
Uma demonstração disso está no fato de que, no lugar de estabelecer um diálogo real com as entidades sindicais classistas, como a Condsef e outras representações legítimas dos servidores públicos, o governo opta por construir consensos com representantes da FIESP, empresários rentistas e parlamentares como Zé Trovão, expressão do que há de mais retrógrado no Congresso Nacional. Não há, como podemos observar, limite algum para essa frente ampla.
É com esse grupo que o MGI escolhe se reunir para debater o futuro do serviço público brasileiro. Enquanto isso, as propostas concretas das entidades sindicais – que têm legitimidade e acúmulo para contribuir com um Estado verdadeiramente comprometido com os interesses da população trabalhadora -, são sistematicamente ignoradas.
O Grupo de Trabalho da “reforma administrativa” montado no Congresso, que avança sob a batuta de interesses privatistas, repete a velha cantilena da austeridade e do “enxugamento da máquina pública”, um projeto que visa apenas facilitar a entrega do Estado brasileiro ao capital privado.
O MGI, lamentavelmente, tem se comportado de maneira subserviente a essa lógica. Ao invés de assumir seu papel de articulador de políticas públicas voltadas à concretização de direitos, opta por reproduzir a cartilha da austeridade que, muito bem disfarçada de um viés modernizante, avança com propostas, diretrizes e condução de negociações salariais que, paulatinamente, se alinham aos interesses daqueles que veem na precarização dos serviços públicos uma forma de ampliar seus lucros. O resultado é um Estado cada vez mais reduzido, tecnocrático e elitizado.
A imposição de modelos baseados na lógica privada, a flexibilização de vínculos empregatícios e a crescente dependência de contratos temporários e terceirizações comprometem a capacidade do Estado de oferecer serviços de qualidade e de garantir direitos fundamentais da população.
Os servidores públicos têm um papel central nesse processo, especialmente diante da implementação de diversas “inovações” estruturadas a partir da lógica do mercado sem um debate adequado; dos novos programas voltados à gestão e ao desempenho; e do uso crescente da inteligência artificial.
Não faltam gastos a serem cortados, é verdade: O verdadeiro ralo por onde escoa o orçamento público compromete cerca de R$ 1 trilhão por ano com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, uma engrenagem que alimenta o rentismo e esvazia o financiamento das políticas sociais. Soma-se a isso os R$ 53 bilhões em emendas parlamentares, instrumento de corrupção, compra de apoio político e manutenção de feudos eleitorais.
Os serviços públicos representam o salário indireto da classe trabalhadora. Foi com base nessa expectativa que a população elegeu um projeto comprometido com a retomada e ampliação dos direitos sociais. A promessa foi de mais e melhores serviços públicos, não o contrário. É preciso honrar esse compromisso.
A Condsef já apresentou inúmeras propostas para construir um Estado forte, democrático e comprometido com a redução das desigualdades sociais. Propomos medidas para combater a elitização do Estado, reduzir abismos salariais entre servidores públicos e promover reformas que rompam com a lógica do capital financeiro.
Rejeitamos a visão tecnocrata que pretende separar o funcionamento da máquina pública do projeto político eleito nas urnas. O Estado não é neutro, mas atravessado por uma série de interesses contraditórios. Tampouco pode ser comparado a uma empresa. O servidor público não é um gerente de metas e “entregas”; a estabilidade não é um privilégio. Sem ela, abre-se caminho para nomeações e exonerações arbitrárias, o que facilita o aparelhamento do Estado por interesses privados. Romper com essa lógica é abrir brechas para perseguições ideológicas, para a captura do serviço público e para a corrosão da democracia.
Trabalhadores precarizados e sem garantias de permanência são mais suscetíveis a pressões políticas e econômicas, seja para flexibilizar normas em benefício de grandes empresas, seja para facilitar processos de privatização. O desmonte do Regime Jurídico Único (RJU) e a tentativa de segmentação dos vínculos trabalhistas no setor público são estratégias do capital para reduzir a força política dos servidores e abrir caminho para interesses escusos.
As métricas de “desempenho” que se pretende implementar são perigosas. Ignoram as especificidades do serviço público, abrem brechas à criação de mecanismos persecutórios disfarçados, fragilizam a autonomia funcional dos servidores e colocam em risco a prestação de serviços essenciais à população. A verdadeira eficiência não se mede por produtividade individual alienada, mas pela capacidade do Estado em garantir direitos.
É hora de reconstruir o Estado a partir dos interesses da população trabalhadora brasileira, com valorização adequada daqueles e daquelas que fazem o Estado funcionar. A transformação de que precisamos não é a do desmonte.
Entre os princípios fundamentais dessa discussão estão o fortalecimento das capacidades estatais por meio da reposição e ampliação do quadro de servidores por meio da contratação exclusiva por concursos públicos e Regime Jurídico Único; manutenção e ampliação do quantitativo de cargos de nível auxiliar e intermediário; unificação das tabelas salariais, por meio da redução gradativa das disparidades remuneratórias existentes no serviço público; e garantia da equiparação salarial dos servidores mais antigos com as novas carreiras de políticas públicas transversais.
É preciso lembrar à sociedade, por fim, que a precarização do serviço público impacta negativamente todo o mundo do trabalho, servindo como referência para a redução de direitos também no setor privado.
A luta por um serviço público forte, de qualidade e a serviço da sociedade é uma luta de toda a classe trabalhadora!
- Mônica Carneiro é jornalista, diretora de Comunicação da Condsef/Fenadsef e servidora da Funai